Transporte individual, eletrificação e entraves econômicos são alguns dos temas abordados na discussão com especialista do setor.

Roberto Marx é engenheiro de produção pela POLI-USP, concluiu a livre docência em 2008 e o doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo em 1996. Consultor Ad-hoc da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo, do CNPq e da CAPES, faz parte do Steering Committe do GERPISA, rede mundial de pesquisas sobre indústria automotiva e mobilidade urbana. Téchne conversou com o especialista que é coordenador do Mobilab – Laboratório de Estratégias Integradas da Indústria da Mobilidade, centro de pesquisas e projetos que estuda estratégias e novos negócios no campo da mobilidade urbana sustentável. Veja a seguir.

Quais são os principais entraves para uma política duradoura, a médio e longo prazo, para a mobilidade urbana nas cidades brasileiras?

O principal entrave é justamente que as cidades tenham uma política duradoura e voltada para o conjunto da população. Nós sabemos que o Brasil é um país muito desigual, e isso também se reflete nas políticas e nas práticas de mobilidade urbana, especialmente nas grandes cidades. Então se você observar, o que não é muito difícil, a classe mais abastada tem o seu carro particular, muitas vezes até mais de um, e o usa como principal meio de locomoção. Assim, apesar do trânsito e de outros problemas de mobilidade individual, esse problema é relativamente resolvido pelas pessoas que têm mais renda, já as classes menos favorecidas, o trabalhador que se desloca mais da casa para o trabalho, as opções que lhe restam são ônibus, metrô e trem, e esses serviços deixam muito a desejar. É óbvio que para as pessoas de baixa renda têm muita coisa que falta. Falta mais integração, falta uma rede mais ampla de metrô, que você observa em cidades menos poderosas que São Paulo, que com certeza poderia ter uma rede maior, por exemplo. Respondendo objetivamente, falta uma intenção, um plano de governo que de fato procure investir uma parcela maior de dinheiro em uma rede mais ampla e integrada de canais de movimentação para viabilizar uma qualidade satisfatória para a população.

Cite um exemplo de cidade no mundo com boa mobilidade urbana.

Temos vários exemplos. Especialmente na Europa, há uma preocupação em oferecer uma rede mais integrada de transporte, como o metrô, que abrange uma parte maior da cidade, associado a outros modais, como o transporte coletivo em ônibus; como mais recentemente as bicicletas, para poder favorecer uma parte do percurso. Cidades como Londres, Paris e Copenhague, mesmo que tenham alguns problemas, são exemplos a serem seguidos e adaptados para as cidades brasileiras. Podemos também citar o caso das grandes cidades chinesas, como Shanghai e Pequim, cidades que tive o prazer de conhecer. Mas esse é um caso à parte, já que o governo possui muitos recursos e assim consegue, sem muitos entraves, implementar, de uma maneira rápida e eficaz, um sistema de mobilidade que envolve vários modais e, como consequência, gera uma facilidade de locomoção para toda a população. Olhando o caso do metrô em uma cidade como a Cidade do México, por exemplo, que é muito semelhante ao Brasil em aspectos como a renda, ela possui uma rede de metrô algumas vezes maior que a cidade de São Paulo, por conta da preocupação de uma série de governos que tornaram a questão de mobilidade melhor resolvida do que no exemplo paulista, que começou a desenvolver seu metrô antes mesmo que a Cidade do México. É para se observar que mesmo em países parecidos em muitos termos, como riqueza e desigualdades sociais, é possível tratar melhor a questão da mobilidade urbana.

Em que medida as questões ambientais permeiam as estratégias de mobilidade urbana?

Hoje em dia, praticamente tudo envolve questões ambientais, e quando falamos de mobilidade urbana é de forma mais enfática ainda, dependendo das escolhas que se faça em relação aos modais. Por exemplo, quando se tem ênfase em carros à combustão interna, os carros tradicionais, há uma emissão maior de gás CO2 e outros gases do efeito estufa. A  mesma coisa, ou até pior, com os ônibus à diesel que emitem muitos gases nocivos à saúde. Então, buscar alternativas para esses modais, como o uso de motores elétricos, e, principalmente, investindo no transporte público, que é um setor que vale a pena o investimento, no ponto de vista econômico e ambiental, é mais eficiente que o uso dos carros particulares que transportam cerca de 1 ou 2 pessoas em média. A resposta é que a questão ambiental está absolutamente ligada com as estratégias de mobilidade urbana e, nesse caso, elas até coincidem: pegando o nicho das grande capitais brasileiras, há muito tempo se fala que a principal vertente de uma política de mobilidade urbana tem que ser o transporte coletivo, e o que acontece é que quanto mais você investe neste tipo de transporte e não prioriza o transporte individualizado, mesmo que tenha a questão dos carros elétricos, você está contribuindo para tratar melhor as questões ambientais.

O transporte individual está em xeque. Como você enxerga o futuro da indústria automobilística no Brasil e no mundo?

Sim, o transporte individual está em xeque, embora ele atenda a muitos interesses, e isso ficou ainda mais acirrado, tristemente, por conta da pandemia que, por questões de isolamento social, acabou incentivando o uso mais intensivo do transporte individual. Mas tirando esse aspecto, que esperamos que tenha um impacto cada vez menor nas questões de transporte, o futuro da indústria automobilística já está sentindo um impacto. Modais mais sustentáveis, mesmo que seja um transporte individual como a bicicleta, já estão ganhando espaço. Então a indústria automobilística, no Brasil menos, mas em vários locais do mundo, principalmente nos países que possuem sedes de empresas desse setor, tem buscado investir em outros negócios fora a fabricação e venda de carros e caminhões. Especialmente na questão dos automóveis, que são uma parte majoritária das frotas que circulam nas estradas e cidades, as empresas do setor começam a explorar alternativas como o aluguel de carros e até mesmo buscam parceria com empresas que trabalham com o compartilhamento de bicicletas. A indústria automobilística está em xeque, tendo que repensar seu posicionamento, seja porque os veículos elétricos, e não mais a combustão interna, cada vez mais aparecem como o futuro da indústria, seja porque as novas gerações estão questionando se elas querem investir parte de sua renda na posse de automóveis.

A eletrificação já é uma realidade em alguns países do mundo. Você acredita que fontes renováveis de energia serão a realidade nos próximos anos? Quais são as perspectivas no Brasil?

Acredito que sim. Quanto mais você puder utilizar fontes renováveis melhor, mas, ao mesmo tempo, nem todos os veículos mais modernos usam fontes renováveis, então não é algo que vai, necessariamente, na mesma linha da preocupação com a questão do ambiente. Os carros elétricos poluem menos, mas não dá para afirmar que eles utilizam fontes renováveis de energia, mesmo porque as baterias têm vida útil, precisam ser recicladas e existe toda uma preocupação no mundo de como fazer a reciclagem das baterias dos carros, ônibus e caminhões elétricos. Então, na questão ambiental, precisamos olhar todo o processo de fabricação, a extração das matérias-primas que são utilizadas nos veículos, para depois termos uma noção maior de quanto esses modais protegem ou não o meio ambiente a partir da sua utilização. No Brasil a questão ambiental existe, mas é bem menos intensa do que em países que já citei anteriormente, como a China, que possui a maior população do mundo. A China, por exemplo, tem tido uma preocupação maior com a questão ambiental do que o Brasil que, por uma série de questões, como o fator histórico e político, tem dado pouco evidência às políticas de mobilidade urbana, o que faz que aqui no Brasil tenhamos algumas legislações que são favoráveis ao ambiente, mas volta-e-meia são retardadas à sua implantação. No Brasil, até certo ponto, existe a possibilidade de utilizar o etanol como fonte renovável de energia em relação ao petróleo. Isso é interessante, os motores que funcionam à etanol emitem menos gases nocivos que os carros movidos à gasolina, porém, eu acredito que não podemos usar as vantagens que o etanol tem sobre a gasolina como argumento para postergarmos políticas e iniciativas. No ponto de vista da questão ambiental, o futuro é elétrico e, mesmo que demore, nós temos, de alguma forma, nos preparar para esse novo cenário, não necessariamente abandonando o etanol, mas não o usando como argumento para ficarmos para trás em relação ao que deverão ser as fontes de energia que vão movimentar veículos no futuro não muito distante, principalmente, a motorização elétrica.

Matéria publicada originalmente na revista Téchne.

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