Em entrevista, o copresidente do IAB/RJ analisa o projeto vencedor do Concurso de Arquitetura para o museu e reforça que as expectativas para o certame foram superadas, com recorde de inscritos e uma discussão pública fundamental. Fotos: divulgação

A equipe coordenada pelo arquiteto e urbanista Rodrigo Quintella Messina, de São Paulo (SP), conquistou o primeiro lugar no Concurso de Arquitetura para o Museu Marítimo do Brasil, promovido pelo Departamento Cultural do Abrigo do Marinheiro (DCAMN) e organizado pelo Departamento do Rio de Janeiro do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/RJ). Em entrevista, o copresidente do IAB/RJ, Igor de Vetyemy, comenta o projeto vencedor e fala sobre o sucesso do concurso, que bateu o recorde de inscritos na história dos certames coordenados pela instituição. Confira: 

Acima, projeto vencedor do Concurso de Arquitetura para o Museu Marítimo do Brasil.

Quais pontos você destaca em relação ao projeto vencedor? 

O projeto vencedor propõe uma discussão muito saudável para o Rio, pois trabalha o programa de maneira inteligente, emoldura a paisagem que ficou perdida por tantos anos atrás do galpão da década de 90 que ocupa o píer, e provoca um debate essencial sobre a relação entre os diferentes tempos arquitetônicos que compõem o cenário complexo e instigante das grandes cidades. Ao elevar o volume principal do solo, o projeto não apenas recupera a relação entre a cidade e o mar, mas também cria um grande espaço público coberto, com acesso a equipamentos culturais que o tornam um espaço de encontros; como o vão do MASP cria na Avenida Paulista, com um contexto que, para o Rio de Janeiro, talvez seja tão simbólico quanto o do MASP é para São Paulo. Uma preciosidade da proposta é o espaço criado na ponta do píer, com um bar que vai possibilitar aos moradores e turistas a experiência de um visual espetacular. O projeto do Museu Marítimo do Brasil tem uma leitura contemporânea da imagem fragmentada da cidade e a expressa nas relações volumétricas que se estabelecem entre seus cheios e vazios, por vezes percebidos apenas quando atravessados num passeio arquitetônico diferente, sem uma definição muito clara se estamos dentro ou fora do museu. Outra característica especial é a ponte rolante prevista no projeto. A ponte vai ajudar, de forma pragmática, a otimizar a montagem das exposições, mas também a transformar a maneira com que os visitantes poderão ter contato com as peças expostas. Ela própria, tão comum à atividade naval, será um objeto de exposição e cria, inclusive, a possibilidade de termos exposições com as embarcações em movimento, suspensas, navegando acima das pessoas. 

Como o projeto vencedor conversa com a proposta do Museu Marítimo do Brasil de valorizar a relação entre o brasileiro e o mar? 

Um projeto como esse é pensado com muito cuidado por uma equipe multidisciplinar, que analisa profundamente a dinâmica social do seu entorno. Esse projeto identifica com muita clareza a perspectiva que a maior parte dos usuários terá ao se aproximar do espaço. Quem vem do metrô ou do Centro, por exemplo, caminha em direção ao museu olhando não para o objeto arquitetônico ali colocado, mas para a relação que ele estabelece com a vista que existe por trás. Deste ponto de vista, o projeto emoldura com uma forma e materiais contemporâneos um elemento da cidade que é atemporal, que é o seu entorno natural. Isso não impede que o projeto atenda às particularidades do programa necessariamente enclausurado que um museu, um auditório ou outras funções desse equipamento demandam. Ao contrário, esse jogo volumétrico é definido, justamente, para valorizar os vazios que sublinham não a edificação e, sim, a vista do espelho d’água da Baía da Guanabara. 

Qual é o papel do novo museu no processo de revitalização do Centro do Rio?

O papel desse museu é fundamental, pois ele força a reflexão sobre o convívio entre edificações que contam muito claramente cinco séculos de nossa história e as construções contemporâneas que não devem sofrer nenhum tipo de preconceito. Pelo contrário, são elas que dão sentido a esse diálogo entre diferentes tempos arquitetônicos, e configuram se como um importante registro dos acúmulos tecnológicos, técnicos, éticos, políticos e sociais do nosso tempo. Não podemos imaginar uma reativação do Centro da nossa cidade apenas utilizando os edifícios existentes, saturando-os com demandas atuais que não cabem nesses espaços. Essa importante revitalização precisa vir acompanhada, respeitosamente, de propostas contemporâneas que dialoguem com o nosso patrimônio, sem copiá-lo ou criar um falso histórico. O respeito à nossa história não pode deixar de fora o respeito às demandas da geração atual, sob risco de cairmos na situação absurda de propor o fim da história. Temos a responsabilidade de seguir construindo a história que as gerações futuras terão para respeitar.

Quais eram as expectativas do IAB/RJ em relação ao concurso? Acredita que tenham sido alcançadas? 

As expectativas principais de qualquer concurso vão muito além da construção do objeto arquitetônico em si. Um concurso público funciona como a ferramenta mais democrática para se construir cidades, além de ser a melhor forma de inovar e transformar nossa maneira de interagir com os espaços públicos e edifícios de um local. Ele enseja não apenas a participação ativa de equipes técnicas do país inteiro no desenvolvimento de alternativas para a materialização de cidades melhores, mas também promove um grande debate público em torno do tema. Neste sentido, o recorde de inscrições com 191 equipes do Brasil inteiro e o debate que foi ativado após a revelação dos vencedores nos mostram uma sociedade cada vez mais consciente acerca da necessária reinvenção das nossas cidades. As críticas aos projetos vencedores que sempre surgem após um concurso público são uma parte importante desta grande reflexão coletiva. Logicamente, se 191 equipes pensaram em soluções cheias de particularidades exaustivamente estudadas, jamais haverá um consenso em relação à escolha do júri. E é muito saudável que esse consenso não exista. Precisamos reaprender a lidar com o espaço para o contraditório. Isso estimula a necessária evolução constante da nossa maneira de construir e de interagir com a cidade. Portanto, mais uma vez, as expectativas, que eram muito altas, foram excedidas, e estamos muito felizes de ver o poder que um concurso público tem para gerar reflexões coletivas.

Pensando na garagem

Artigo Anterior

Cursos de extensão para arquitetos

Próximo Artigo

Separamos para você