Pedro Capello*

A crescente demanda por infraestrutura digital e a popularização da inteligência artificial (IA) têm impulsionado, de forma notória, o setor de datacenters no Brasil, que atingiu US$ 4,6 bilhões no ano de 2023 e uma participação de 1,4% do mercado global. Em 1º de agosto de 2024, em resposta ao expressivo aumento na necessidade de armazenamento e processamento de grandes volumes de dados impulsionados pela IA, o senador Stevenson Valentim (Podemos-RN) apresentou o Projeto de Lei nº 3018/2024 (“PL”), cujo objetivo é regulamentar a operação dessas instalações. Essa iniciativa, além de promover maior segurança jurídica e reforçar o compromisso nacional com a disseminação da cultura da proteção de dados, pode fomentar investimentos estratégicos no setor, contribuindo para o fortalecimento da economia digital no país.

Com isso em mente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, incluiu o PL na lista de 25 propostas prioritárias para a economia do país, reforçando sua relevância dentro da agenda legislativa. A medida indica que o governo federal reconhece a importância da regulamentação dos datacenters de inteligência artificial, tanto do ponto de vista ambiental quanto do desenvolvimento do setor tecnológico nacional. Ao integrar o eixo de transformação ecológica, o PL ganha tração política e pode ter sua tramitação acelerada no Congresso, o que aumenta a necessidade de que os setores impactados – especialmente a construção civil e a indústria de tecnologia – estejam preparados para as exigências regulatórias que poderão ser implementadas em breve.

O PL visa garantir a segurança, privacidade, transparência, eficiência energética e responsabilidade ambiental das estruturas dedicadas à acomodação de equipamentos construídos para viabilizar a operação de sistemas de IA. Ainda em estágio embrionário e com um longo caminho a ser percorrido, a regulamentação, uma vez aprovada, deverá impactar significativamente não apenas o setor tecnológico, mas também a indústria da construção civil, exigindo adequações em projetos, contratos e processos de compliance.

Entre as obrigações propostas, destacam-se a exigência de robustas medidas de segurança cibernética (Art. 3º, I), a realização de auditorias periódicas sob as perspectivas energética (Art. 5º, II) e algorítmica (Art. 3º, V), e, de forma especial, a obrigatoriedade de utilização de fontes de energia renováveis (Art. 5º, I).

Embora tais mudanças possam acarretar custos adicionais para novas construções e para a adaptação de instalações existentes, elas abrem oportunidades para empresas especializadas em infraestrutura sustentável dentro do setor da construção. Ademais, a previsão de auditorias ambientais periódicas, conforme estabelecido no Art. 6º do PL, impõe um novo conjunto de padrões que deverão ser observados desde a concepção dos projetos até a fase operacional dos datacenters, demandando das empresas uma antecipação e adequação de suas práticas frente às possíveis novas exigências regulatórias, incluindo a elaboração de relatórios de consumo energético e de gestão ambiental.

Ainda, é importante mencionar que o PL também dialoga com outras normativas vigentes, como a Lei Geral de Proteção de Dados (“LGPD”). Em seu Art. 4º, o PL estabelece que os operadores de datacenters de IA devem assegurar a privacidade dos dados pessoais em tratamento, garantir a portabilidade dos dados e implementar políticas de governança que viabilizem o exercício dos direitos previstos na LGPD. Essa medida implica a transparência em todas as etapas da coleta, armazenamento, processamento, compartilhamento e eliminação dos dados, além de impor a obrigatoriedade de treinamentos contínuos para os funcionários e a realização periódica de avaliações de impacto à proteção de dados.

Não obstante, o PL estipula que os datacenters de IA designem um encarregado de dados (Art. 4º, II), sem introduzir qualquer exceção aos datacenters de pequeno porte. Tal medida pode elevar os custos operacionais dos operadores e representar uma barreira de entrada, mas, ao mesmo tempo, cria oportunidades para o crescimento do mercado de profissionais da área de privacidade.

A necessidade de conformidade com essas legislações ressalta a importância de contratos bem estruturados entre construtoras, operadores de datacenters e demais stakeholders, ao mesmo tempo em que, considerando a complexidade jurídica decorrente das novas obrigações, poderá resultar no aumento de revisões contratuais a fim de assegurar maior segurança e eficácia nos acordos celebrados.

Do ponto de vista mercadológico, a regulamentação proposta tem o potencial de fortalecer a competitividade da indústria de datacenters tanto em âmbito nacional quanto internacional. As diretrizes de eficiência energética e sustentabilidade podem se revelar estratégicas, sobretudo considerando que mais de 80% da eletricidade gerada no país provém de fontes renováveis, como hidrelétricas (55%), energia solar (com crescimento de 200% nos últimos três anos), eólica (14,8%) e biomassa (8,4%). Entretanto, custos elevados para a adaptação às novas exigências podem configurar um obstáculo ao desenvolvimento e à expansão da infraestrutura digital no Brasil.

Por outro lado, embora o PL reforce a necessidade de uso de fontes renováveis nos datacenters de IA, um desafio estrutural crítico pode comprometer sua viabilidade: a insuficiência da infraestrutura de transmissão de energia brasileira. Como exemplo, atualmente, o Nordeste já responde por mais de 80% da geração de energia eólica e solar do país, porém, o crescimento das linhas de transmissão foi de apenas 5% nos últimos anos, o que cria um gargalo para a expansão sustentável desse setor. A falta de subestações e redes de escoamento adequadas pode resultar em um cenário paradoxal, no qual há produção energética excedente sem capacidade de distribuição eficiente. Esse descompasso também gera incertezas para investidores e pode dificultar o cumprimento das exigências do PL por parte dos operadores de datacenters. Assim, para que a regulamentação seja eficaz, é essencial que o governo amplie os investimentos em infraestrutura de transmissão e, possivelmente, estude a concessão de benefícios fiscais para induzir o investimento no setor, reduzindo o risco de sobrecarga no sistema elétrico e garantindo o fornecimento estável de energia limpa para esses centros tecnológicos.

Outro ponto a ser considerado diz respeito à concentração geográfica da infraestrutura destinada à geração de energias renováveis. Historicamente, a rede de transmissão e distribuição de energia – especialmente aquela oriunda de fontes renováveis – tende a se concentrar em grandes polos urbanos e capitais, onde a demanda por eletricidade é maior. Embora esse modelo contribua para a eficiência na operação e distribuição em áreas de alta concentração populacional, ele impõe desafios significativos para a descentralização dos datacenters. Para que o Brasil se consolide como uma potência global nesse setor, é imperativo diversificar as localizações desses centros, de modo a promover o desenvolvimento econômico regional, gerar empregos e reduzir gargalos na distribuição de energia, haja vista a quantidade de energia requerida pelos datacenters de IA. Investimentos em novas linhas de transmissão, a implementação de incentivos fiscais e um planejamento territorial mais abrangente são medidas essenciais para assegurar que a expansão dos datacenters acompanhe uma infraestrutura energética distribuída e sustentável.

Em síntese, a discussão acerca do PL, ainda em fase inicial, deve buscar um equilíbrio entre a rigidez da regulação e a viabilidade econômica do setor. Adicionalmente, a inclusão do PL na lista de 25 propostas prioritárias para a economia nacional reforça sua importância estratégica e demonstra o compromisso do governo com a modernização e sustentabilidade do setor. Medidas que promovam o uso de fontes renováveis e a sustentabilidade, sem impor barreiras desproporcionais ao crescimento, são essenciais para criar um ambiente regulatório que favoreça tanto os datacenters quanto a indústria da construção civil e, em última instância, a sociedade como um todo. A adequação das normas, acompanhada de incentivos e soluções pragmáticas, permitirá que o setor se desenvolva de maneira sustentável e competitiva, possivelmente colocando o Brasil no topo do ranking das nações comprometidas com a inovação e sustentabilidade.

Pedro Capello é advogado do Donelli, Nicolai e Zenid Advogados (DSA Advogados)

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