Implantada em um bairro paulistano predominantemente residencial, a Casa MAJ foi projetada a partir da simplificação da matéria e permeabilidade visual. Por Pedro Zuccolotto. Fotos por Haruo Mikami.
Cercada por outras casas no coração de São Paulo está a Casa MAJ. Apesar de ser uma residência urbana, a paleta de materiais naturais na construção e mobiliário, somado às soluções de integração, sublinham a sensação de casa de veraneio. Somando isso à permeabilidade visual ao jardim, executado por Daniel Nunes, conforto e sensação de lar imperam em todos os ambientes.
Implantação
O volume principal da residência foi concentrada na porção frontal do lote, criando uma vista própria ao jardim na área traseira. A partir disso, estruturalmente, a casa é pensada de maneira muito simples: sobre um plano horizontal em concreto erguido a 50cm do solo, quatro empenas de concreto armado são sutilmente dispostas – um par delas em cada extremidade – e configuram volumes trapezoidais que acomodam os espaços de apoio (cozinha, copa, lavanderia, e áreas de serviço no primeiro deles; e home theater e lavabo no segundo). Esta solução viabilizou um vão livre central de 13 metros de comprimento que acomoda o living e recebe fechamentos em caixilhos de vidro que podem ser recolhidos, integrando o espaço interno ao exterior.
As empenas centrais extrapolam os limites do perímetro do piso, em direção ao jardim, de modo que em balanço parecem flutuar sobre o gramado. Perpendicular aos dois blocos de concreto, o vigamento de madeira laminada colada de eucalipto é disposto sobre o embasamento, acomodando as áreas íntimas no pavimento superior. Este volume é integralmente construído em um sistema estrutural leve industrializado em madeira.
Materialidade
No pavimento térreo, o contraponto das tonalidades claras das superfícies das paredes e piso em placas de concreto junto ao calor da madeira no forro e mobiliário torna o espaço leve e aconchegante. No mobiliário, destacam-se peças icônicas do design brasileiro como o sofá São Conrado e poltrona Siri de Cláudia Moreira Salles, compostas junto a outros clássicos modernos como a luminária Akari-10A do designer nipo-americano Isamu Noguchi. Assim como a própria arquitetura, a ideia de leveza é conduzida ao mobiliário com peças em que a base toca sutilmente a superfície do piso, como o sofá da marca italiana Poliform. A cor é introduzida minimamente nos objetos decorativos, almofadas e estofados da poltrona de Claúdia Moreira Salles.
A sala de jantar central tem mesa em madeira maciça, mesma do mobiliário do estar, e desenho especial da Bernardes Arquitetura, acomodando até 12 pessoas. Na composição, 10 cadeiras clássicas do design escandinavo, Wishbone e Round, de Hans Wegner, adquiridas pela Artesian; e Hoffmann Chair, de design original do austríaco Josef Hoffman.
Na área gourmet, os armários são revestidos por madeira ebanizada fosca e o tampo e balcão em granito siena. No pavimento superior, a madeira predomina no piso e marcenaria com desenho da Bernardes. Os dormitórios infantis tem bancadas de estudos com áreas de armazenamento. A suíte master é provida de closet. Aos fundos, a varanda integrada a todos os dormitórios e escritório, com forro e piso de madeira, recebe peças metálicas verticais em diagonal com brises horizontais de madeira, protegendo da insolação direta e permitindo que a brisa flua livremente.
Conforto térmico
O projeto foi concebido levando em consideração as condicionantes geográficas do lote de maneira para obter maior eficiência energética. O desenho da arquitetura foi diretamente influenciado em favor do aproveitamento das condicionantes naturais e proteção das intempéries. Para isso, foram usados beirais e brises soleil que sombreiam o interior.
Para alcançar um agradável microclima interno dispensando sistemas ativos de condicionamento, diversas técnicas de resfriamento passivo foram utilizadas. A disposição da massa edificada no lote criou dois pátios – um frontal de menor proporção e o outro em maior na porção traseira – que, somado ao uso de extensos panos de vidro que podem ser completamente recolhidos, promove a ventilação cruzada e filtragem da luz solar.
A casa também foi elevada alguns centímetros, o que diminui a transferência de calor para o interior. No pavimento superior, brises horizontais em madeira (presos diretamente sobre peças metálicas) somado ao beiral protegem os dormitórios e escritório da insolação direta, permitindo que a luz adentre. Essa solução também cria um “colchão” de ar de onde a brisa circula livremente, diminuindo consideravelmente a temperatura interior. Como resultado, há uma casa bastante fresca, diminuindo a necessidade do uso de dispositivos de apoio como ar condicionado.
Acústico
Ainda que localizada em um bairro bastante tranquilo e com baixo grau de ruídos, foi desenvolvido um projeto acústico especialmente à casa, considerando a menor reverberação do som entre os diferentes ambientes. Com estrutura principal em madeira, as paredes nos fechamentos dos módulos recebem painéis tipo “sanduíche” em gesso acartonado e manta de isolamento acústico, enquanto as superiores externas ainda contam com uma camada de madeira. Filtrando parcialmente os ruídos externos, sobretudo aqueles da rua e/ou vizinhos, o projeto de paisagismo cria dois bolsões verdes nos espaços livres. Essa solução trouxe maior conforto acústico e bem-estar aos moradores
Detalhes estruturais
Perpendicular ao par de volumes de concreto, o bloco superior em madeira laminada colada de eucalipto paira sobre o embasamento, acomodando as áreas íntimas no pavimento superior. Na emenda das vigas de madeira, o dente Gerber não foi empregado na sua forma convencional em que as forças são transmitidas pelo contato das peças. Tendo em vista que na madeira o apoio por contato gera um efeito de tração perpendicular às fibras e que pode ocasionar trincas, nesse projeto, para evitar danos e garantir o longo prazo de seu funcionamento, o dente Gerber foi fixado por parafusos à tração, gerando um efeito de compressão perpendicular às fibras, e viabilizando maior durabilidade estrutural. Em cada peça, um chanfro evita a compressão localizada sobre a última lamela de viga, de forma a preservar a estrutura ao longo de sua vida.
Ficha técnica
Projeto: Casa MAJ
Local: São Paulo, SP
Área Construída: 710 m²
Início do Projeto: 2018
Conclusão Construção: 2020
Arquitetura: Bernardes Arquitetura
Design de Interiores: Bernardes Arquitetura
Equipe: Thiago Bernardes, Dante Furlan, Camila Tariki, Gabriel Falcade Forti, Marina Salles, Fausto Sombra, Patricia de Souza, Gleice Sangregorio, Robernildo Araujo e Ana Carolina Zuin
Projeto Estrutural em Concreto: CDI/m Engenharia – Haruo Hashimoto
Projeto Estrutural em Madeira: Ita Construtora
Consultoria Acústica: Harmonia Acústica
Projeto Automação e A&V: FG Engenharia e Iluminação – Gilberto Floriano
Paisagismo / execução: Daniel Nunes Paisagismo
Luminotécnica: FOCO – Luz & Desenho
Fundações: APOIO
Segurança: Protect System
Saiba mais
Matéria publicada originalmente na revista aU, edição de novembro.