Ingressei na engenharia civil da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), em 2004, já sabendo qual área gostaria de seguir. Queria ir para a obra porque gostava do dinamismo de um canteiro e, também, por ouvir do meu pai a seguinte dica: “Na obra, é onde toda a teoria tem que ser colocada na prática e o aprendizado acaba sendo maior”.

Nas primeiras aulas da faculdade, essa dica foi se tornando mais específica: “Cola no mestre que ele que tem experiência e sabe tudo que acontece na obra”. No primeiro estágio, novamente a mesma dica do engenheiro responsável pelo empreendimento: “Cola no mestre, ele que vai te ensinar tudo que precisa saber para ser um bom profissional”.

A história nos mostra que a cultura do “colar no mestre” representa nos aproximar dos mais experientes e, com o tempo, ir absorvendo sua sabedoria e experiências. Na China, a tradição de respeitar os mais velhos é muito forte e está enraizada na cultura há séculos. Esse respeito é baseado em uma filosofia antiga chamada “Confucionismo”, que enfatiza a importância da ordem social, da hierarquia e da obediência aos mais velhos.

É atribuída a Confúcio a frase “Ao servir seus pais, um filho os reverencia na vida diária, os faz felizes, cuida deles na doença e mostra uma grande tristeza na sua morte”. De acordo com o filósofo, o respeito aos mais velhos é uma das características essenciais de uma boa sociedade.

Outro exemplo é na Grécia Antiga, onde a tradição oral era muito importante e muitas histórias e ensinamentos eram passados de geração em geração. O filósofo Sócrates, conhecido como sendo o “pai da filosofia”, acreditava que a sabedoria só poderia ser adquirida por meio do diálogo e da conversa com os mais velhos e experientes.

Concordo, respeito e sigo esses ensinamentos do aprendizado não somente com os mais velhos, mas também com as pessoas presentes no meu cotidiano.

O que me incomodava na época – e que um dia cheguei a questionar ao engenheiro da obra – era o motivo de eu ter que passar um ciclo inteiro de um empreendimento, que equivalem a cerca de três anos, para aprender os macetes de fundações, estrutura, alvenaria, reboco, instalações e acabamentos. Eu queria um livro para ler em três meses e aprender tudo o que estava na cabeça das pessoas envolvidas naquele empreendimento.

Em 2004, o acesso à internet na obra não era tão disseminado e as pesquisas nos buscadores também não eram tão efetivas como eu gostaria. Para se ter uma ideia, o primeiro iPhone foi lançado somente em 2007. Hoje, o Brasil tem mais celulares inteligentes (242 milhões) do que habitantes (214 milhões), segundo dados da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Os smartphones ainda não eram tão populares, e conseguir a resposta para uma pergunta não era algo prático como nos dias de hoje. Não havia uma maneira simples de encontrar respostas para dúvidas recorrentes como: “Por onde começo a marcação de uma alvenaria?”, “Qual o peso de uma barra de aço 12mm?”, “Qual a diferença de caibro e sarrafo?”, “Qual a altura de uma tomada baixa?” e “Qual o traço para contrapiso?”. Para respondê-las, era realmente necessário recorrer ao mestre da obra ou ao engenheiro.

Hoje em dia, com a evolução das tecnologias e a popularização da internet, temos acesso a uma quantidade enorme de informações disponíveis a um simples clique. A IA (Inteligência Artificial), por exemplo, é capaz de processar grandes volumes de dados e oferecer respostas rápidas e precisas para nossas perguntas e está ao alcance de nossas mãos. Não à toa, o ChatGPT, lançado pela OpenAI em 2022, conquistou 100 milhões de usuários ativos mensais em janeiro, em menos de dois meses, e se tornou o aplicativo de consumo de crescimento mais rápido da história, conforme comentário do banco suíço UBS.

No entanto, esse acesso fácil e rápido à informação também traz alguns desafios. Com tantas informações disponíveis, muitas vezes é difícil saber o que é verdadeiro e o que não é. Prova disso, mais da metade (62%) dos brasileiros não sabem reconhecer uma notícia falsa, segundo o estudo “Iceberg digital”, realizado pela Kaspersky, empresa global de cibersegurança.

Além disso, a IA é limitada pela sua programação e pode não ser capaz de entender nuances ou contextos mais complexos. Outro aspecto importante é que, embora a IA possa oferecer informações precisas, ela não pode substituir completamente a experiência e sabedoria acumuladas pelos mais experientes.

A interação humana, o diálogo e a troca de experiências ainda são importantes para o desenvolvimento pessoal e social. Afinal, máquinas não têm empatia e não compreendem essas pequenas – e tão importantes – nuances humanas.

Ou seja, é necessário encontrarmos um equilíbrio entre o aprendizado tradicional, baseado no contato com os mestres, engenheiros e a prática, e as ferramentas tecnológicas disponíveis. A IA não substitui a experiência humana, afinal, essa é uma vivência única que os algoritmos ainda não conseguem – e, talvez, jamais conseguirão – reproduzir.

Cícero Sallaberry (@construflow)

É sócio fundador da Construflow e gestor de grandes contas da Trutec. Formado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), possui experiência em gestão de canteiro de obras de grandes construtoras e em projetos na plataforma BIM. Empreendedor na área de inovação e tecnologia, incentivador da mudança de mentalidade e melhoria da produtividade da construção civil.

FEICON 2023 bate recorde de visitação

Artigo Anterior

NBR 17170: norma traz novas orientações com relação a garantias da construção civil

Próximo Artigo

Separamos para você