Ele abandonou a Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro, antes de concluir a graduação, irritado com um dos professores. Falava que um dia retornaria aos bancos escolares, o que nunca aconteceu, quer porque o diploma não lhe fez falta, quer porque o tempo, este sim, era escasso. Para quem tinha a sensibilidade altamente aguçada e havia crescido dentro do escritório do pai, Sergio Bernardes, um gigante da arquitetura brasileira, as lições que tornariam Claudio Bernardes (1949 -2001) um dos favoritos da clientela carioca não dependiam da sala de aula.
Tanto assim que, depois de experimentar a pintura no início da adolescência, ele traçou suas primeiras perspectivas antes de ingressar na faculdade. Começou aos 17 anos e parou abruptamente aos 52, vitimado por um acidente no Mato Grosso do Sul. Viajava a trabalho num carro com Paulo Jacobsen, seu companheiro de ofício por mais de duas décadas, que sobreviveu. Após se conhecerem no escritório de Sergio, Claudio o chamou para sua equipe. E em pouco tempo a relação se tornou de cumplicidade e sociedade. Era Jacobsen quem assinava os projetos, mesmo que esses estivessem tão identificados com o sócio e seu jeito de ser.
“Percebi nele um refinamento que transcendia os aspectos sociais e políticos que sempre me atavam a modelos. Esse ‘desligamento’ das normas vigentes e do óbvio é o que melhor define o Claudio e, com isso, o seu trabalho, a sua vida e principalmente a sua força”, escreveu Jacobsen na apresentação do livro Arquitetura Claudio Bernardes (DBA, 202 págs.), lançado em 1999 e hoje esgotado.
De maneira coerente, valores que governavam o indivíduo Claudio, como compartilhar o que possuía e tratar todos como iguais, guiaram sua obra, segundo os filhos. E manifestavam-se em suas criações sob a forma de ambientes abertos e integrados, prontos para receber quem aparecesse – como tantas vezes aconteceu nas residências da família e, em especial, no refúgio na Ilha das Palmeiras, em Angra dos Reis, RJ.
Mesmo hoje, quando o endereço não pertence mais aos Bernardes, tão relevante quanto a memória afetiva que desperta são suas características arquitetônicas e construtivas, um extrato das ideias do autor, apaixonado por materiais naturais, arte e artesanato. “Meu pai desenvolveu sua pesquisa de materiais naturais e os utilizou de uma forma absoluta – mente moderna e sofisticada. O estilo dele estava em dar valor ao que mais ninguém dava, e mostrar toda a riqueza existente ali”, avalia Thiago, filho do meio e também arquiteto..
Mas Claudio não se apegava somente a uma matéria-prima. O aço também figura em boa parte de seu portfólio, principalmente em território urbano. Quem fala a respeito é Andrés Gálvez, arquiteto chileno que se fixou no Brasil em 1988 e trabalhou com o brasileiro. “A grande demanda que Claudio e Cecedo [apelido de Paulo Jacobsen] registraram nos primeiros momentos foi por casas de veraneio em Angra [só no arquipélago, foram mais de 150]”, conta. Gálvez integrou a equipe de Claudio durante os últimos oito anos de vida do mestre. Na segunda metade da década de 1990, encarregou-se de montar e coordenar a filial da capital paulista, quando ainda era raro um escritório brasileiro de arquitetura apostar em um braço em outro estado.
Encarar desafios e experimentações era típico da personalidade ousada de Claudio. Isso valia para soluções arquitetônicas e atitudes. Certa feita, um cliente insistiu na necessidade de um filme em 3D para melhor visualizar uma proposta, e Claudio, afeito a tecnologia e novidades, não se intimidou. “Imagine que isso aconteceu antes de toda a evolução técnica dos últimos anos. O vídeo, de 30 segundos, demorou duas semanas para ser editado. E ficou horrível! Não dava para entender nada”, diverte-se o chileno.
Por tudo o que testemunhou ao lado do amigo e das experiências que vieram depois – primeiro atuando com Thiago e Cecedo quando esses se associaram e agora à frente do próprio escritório, o Gálvez & Márton -, ele se adianta à pergunta e afiança: “Com os recursos digitais de hoje, se o Claudio estivesse vivo, seu salto profissional teria sido impressionante”. Thiago pensa da mesma forma, e, nessa linha, conta o que disse ao pai em uma de suas últimas conversas mais profundas, os dois sozinhos na morada de Angra: “Tenho a sensação de que a sua arquitetura está só começando”.